No México, policiais surdos trabalham onde ver vale mais que ouvir

by Ricardo Shimosakai

Agentes surdos se comunicam na linguagem de sinais através de um tradutor em um centro policial em Oaxaca, MéxicoFoto do centro de monitoramento da policia com duas pessoas sentadas no seu posto de trabalho diante de vários monitores.

Agentes surdos se comunicam na linguagem de sinais através de um tradutor em um centro policial em Oaxaca, México

Quando um policial observou um homem agindo de maneira suspeita, caminhando de modo errático e com um olhar estranho, ele imediatamente chamou reforços. Isto é, ele girou sua cadeira no centro de comando da polícia em Oaxaca, no México, e rapidamente sinalizou para o colega em linguagem de sinais.

O policial Gerardo, de 32 anos, faz parte de um quadro de 20 policiais surdos que se formou há alguns meses para ajudar a vigiar essa cidade turística. O homem suspeito que ele avistou na câmera de segurança acabou sendo o principal suspeito de um caso de assassinato. “Mesmo não podendo ouvir, podemos desempenhar qualquer papel”, disse através de um intérprete.

Mais de 200 câmeras vigiam a cidade, uma das várias no México que instalou sistemas de segurança nos últimos anos para combater a criminalidade de rua. Ao levantar algumas preocupações em relação à privacidade, o sistema é apoiado por policiais por providenciarem uma ferramenta extra para reduzir o tempo de resposta aos crimes.

Oficiais admitiram que enviar unidades rapidamente para a cena do crime é apenas uma parte do desafio. As vítimas de crimes, muitas vezes decidem não apresentar queixas por falta de confiança na Justiça.

Visitantes dessa cidade colonial, famosa por sua arte e comida, parecem ser tranquilizados pelas câmeras, assim como pela presença de sinais alertando que a área está sob vigilância.

Apesar de Oaxaca não ser conhecida por um alto índice de criminalidade, os turistas podem ser alvos de batedores de carteira e os bairros da classe trabalhadora têm seu índice de tráfico de drogas, roubo de carros, brigas e crimes violentos.

Esse ano, o Estado renovou seu centro de comando da polícia, mas achou necessário o monitoramento das 230 câmeras – uma tarefa demorada, monótona. Havia um outro problema: devido ao fato das imagens não possuírem som, os policiais não conseguiam determinar o que as pessoas estavam dizendo.

“Nós não conseguíamos ler os lábios, então tivemos a ideia de contratar pessoas surdas já que muitas delas conseguem”, disse Ignacio Villalobos, o sub-secretário de segurança pública de Oaxaca.

Ele disse que, por possuírem uma atenção visual mais aguçada, os oficiais surdos são capazes de enxergar problemas em andamento nas telas mais rapidamente do que outros policiais que são frequentemente distraídos pelo zumbido de telefones, rádios e conversas no centro de comando.

Villalobos disse que os policiais surdos – “nossos anjos silenciosos “, de acordo com ele – tinham ajudado a resolver ou auxiliado vários casos, mas se recusou a fornecer dados específicos, na expectativa de uma futura avaliação do programa. Ele disse que o caso de homicídio do ano passado foi uma das maiores conquistas do novo departamento.

Os policiais receberam treinamento, mas não fizeram o juramento e nem portam armas. Seu trabalho é limitado ao centro de comando, mas supervisores não permitiram que seus sobrenomes fossem publicados, devido ao seu envolvimento no relato dos crimes.

Poucos deles possuíam um emprego remunerado antes de se tornarem combatentes do crime. No México, há uma alta taxa de desemprego entre deficientes auditivos e eles muitas vezes têm que contar com o apoio da família e dos amigos.

Mas o setor privado e algumas fundações estão trabalhando para reverter esse quadro. Entre os programas mais visíveis está o do aeroporto internacional da Cidade do México, onde usuários de cadeiras de rodas foram empregadas para verificar a identificação de passageiros em filas de segurança e responder a perguntas dos visitantes.

Em uma manhã recente, a monotonia que muitas vezes caracteriza o trabalho da polícia ficou evidente conforme policiais surdos fixavam seus olhares em telas que mostravam nada mais que a rotina da cidade. “Parece que há uma briga ali”, disse um policial, fazendo com que outros expedidores pegassem seus rádios para enviar unidades. Mas outros agentes rapidamente determinaram que era apenas um grupo de crianças brincando.

Outro policial avistou um casal que parecia estar abrindo cervejas em seu carro estacionado ao longo de uma rua. Uma patrulha foi enviada, mas o casal foi autorizado a ir embora com um aviso depois de despejar o conteúdo das garrafas.

No início, os veteranos riam das reações embasbacadas dos novatos diante de acidentes de carro e roubos de bolsa rotineiros mas, com o tempo, os novatos estão desenvolvendo uma carcaça mais dura. “Nós os desumanizamos um pouco, e eles nos humanizaram “, disse Villalobos.

Os policiais, principalmente os recrutados por organizações de serviços sociais, disseram que depois de enfrentar dificuldade em encontrar emprego, trabalhar para a lei era algo gratificante.

Uma das novas policiais, Eunice, 26, disse que tinha sido rejeitada por escritórios e lojas com poucos gerentes dispostos a lhe darem uma oportunidade ou posições que estivessem de acordo com sua surdez.

Mas ela encontrou o seu nicho como policial. Em uma noite recente, a imagem de alguém sendo atropelado por um carro apareceu na tela, algo que inicialmente a chocou. Mas ela rapidamente se recompôs e alertou o expedidor. Com um sorriso orgulhoso, ela disse: “Nós somos os olhos desta unidade.”

Fonte: IG

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